domingo, outubro 23, 2005

A Autonomia Administrativa dos Distritos das Ilhas Adjacentes

“…procurando mais uma vez – perdoem-me a insistência e o repisar do assunto – fixar os aspectos em que na actualidade se apresenta o problema da autonomia administrativa, regime de excepção para os distritos insulanos, que se torna desnecessário voltar a defender e justificar, visto o Governo já ter reconhecido que mais pesam hoje do que em 1895 as razões da campanha daquela época e que mesmo a essas razões outras se lhes podem juntar, em resumo:
1.º - Ao contrário do que preconiza o Estatuto, as Juntas Gerais (pelo menos a deste distrito) não dispõem de recursos próprios suficientes para sustentarem a sua autonomia.
2.º- A situação que se apresenta é a negação flagrante e clamorosa do princípio e elementar justiça que no Estatuto está escrito por estas palavras que volto a recordar. “Desde que o Governo entrega às Juntas Gerais serviços que no Continente estão a seu cargo, justo é que lhes confie também receitas suficientes para fazerem face aos encargos que eles acarretam”.
3.º - Estando as receitas das Juntas muito longe de bastarem para as suas despesas obrigatórias, com a consequência de alguns serviços de maior interesse público irem a caminho do estiolamento, as Juntas, com receitas de vida e despesas de morta, conforme a síntese do Dr. Armando Cândido, em grande parte da sua acção encontram-se convertidas em pagadorias, que são também a negação do que se estabelece e ensina em palavras do Estatuto que já por mais de uma vez li.
4.º - Assim destruído o indispensável equilíbrio entre as receitas e as despesas, perante a importância dos interesses públicos em jogo apresenta-se com o carácter de inadiável necessidade, sempre conforme estabelece o Estatuto (e pelas palavras que nele se lêem), que às Juntas se atribuam receitas e fixem encargos que deixem disponibilidades suficientes para uma obra de fomento, senão grandiosa, ao menos bastante para auxiliar o incremento da riqueza e o melhoramento da economia local, isto é: - para que as Juntas evitem a consumação da asfixia e saiam da letargia em que se estiolam. E não é lícito desejá-lo por meio de subsídios do Estado, não só porque o Estatuto expressamente os repele e rejeita – nem podia deixar de fazê-lo – como processo corrente de administração, como também porque, e nada há mais elementar, subsídios são a negação de autonomia, não se admitem autonomias que para existirem precisem de subsídios permanentes.
Afinal, como vêem, história da Autonomia à parte (e com remorsos e vexado reconheço), nesta curta enumeração se contém tudo o que encheu a eternidade desta palestra!”

A Autonomia Administrativa dos Distritos das Ilhas Adjacentes
, José Bruno Carreiro. Colecção Autonomia, Ed. Jornal de Cultura, 1994.

NOTA: Esta palestra tendo sido proferida há 50 anos continua, cruelmente, actual. Se, historicamente, os movimentos autonómicos coincidiram com momentos de fragilidade política do Estado também é verdade que só tiveram sustentabilidade porque existiram gerações de açorianos motivadas para tal desígnio. Hoje, não tenho essa certeza.