segunda-feira, junho 06, 2005

6 DE JUNHO DE 1975

"Uma manifestação da lavoura tinha sido convocada para 6 de Junho de 1975 em Ponta Delgada. O Comando-Chefe dos Açores, general Altino de Magalhães e o Governador do Distrito, Borges Coutinho, em comunicado conjunto, proibiam a manifestação e sugeriam que a mesma se realizasse a 13 de Junho. Como argumento, avançavam o facto de uma esquadra da NATO estar fundeada no porto de Ponta Delgada, e de as eventuais perturbações poderem dar uma imagem distorcida do nosso país. (...) Na edição de 7 de Junho, o Açores ocupava toda a primeira página com os acontecimentos ligados à manifestação da véspera. O tom era de euforia. O título principal era: «6 de Junho de 1975. Grandiosa Manifestação. Marco Histórico na Vida dos Açores. O dr. Borges Coutinho pediu a demissão do cargo de Governador Civil do Distrito» (...) para o articulista, o povo de toda a ilha (S.Miguel) tinha-se manifestado contra as proibições e a favor da independência dos Açores. Citando: «(...) Os gritos de independência cedo ultrapassaram as outras reivindicações. Os gravíssimos problemas da lavoura, a exigência de demissão do chefe do distrito, tudo depressa passou a segundo plano para, a uma só voz, se gritar independência». (...) Na página 6, publicava-se um texto não assinado com o título: «A manifestação da vontade e do sentir do povo açoriano». A estratégia era, partindo de um acontecimento numa cidade de uma ilha, invocar e falar em nome de todo o arquipélago de uma unidade identitária e na partilha de sentimentos e emoções. Mas, mais importante ainda, era atribuir um símbolo a essa unidade e as gritos de protesto. O mesmo consubstanciava-se na chamada bandeira dos Açores, azul e branca com um açor de asas fechadas sobre nove estrelas que simbolizavam cada uma das ilhas. Citando:
«(...) Frente ao Governo Civil, onde se concentrava a multidão, surgiu a Bandeira dos Açores. Comoção e lágrimas em muitos rostos. Um velho, de mãos calosas, rosto queimado pelo sol e povoado de rugas, olhos marejados de lágrimas, ergueu os braços e gritou bem alto:"Agora, sim, sinto-me açoriano e livre". Estas palavras reflectem bem o sentir de todo um Povo, ressentido e ludibriado por uma minoria activa que era detentora do poder, que não lhe tinha sido outorgado por ele próprio, POVO»[maiúsculas no original].
A bandeira era apresentada como sendo a dos Açores, legitimando e naturalizando o seu uso como expressão simbólica de todo o arquipélago, do seu protesto e do desejo de reconhecimento e dignidade."

José Manuel Oliveira Mendes, Do Ressentimento ao Reconhecimento - Vozes, identidades e processos políticos nos Açores (1974-1996). Ed. Afrontamento, 2003.