terça-feira, junho 28, 2005

ANTE-CÂMARA POLÍTICO-FILOSÓFICA PARA UMA REVISÃO

“(…) Dizer que, em nome da dimensão social da pessoa, há o familiar e o profissional, mas que, em nome da dimensão política da mesma pessoa, há o municipal, o regional, o nacional e o universal, tentando conceber a democracia como aquele regime misto que não se esgota no estatismo e que até o deve superar, renegando tanto o individualismo, hobbesiano ou jacobino, como o corporativismo hierarquista que, contra-revolucionariamente, procurou antepor-se-lhe.
De certa maneira, retomar a perspectiva consensualista de algum federalismo integral, mas compensando-o com a visão consensualista do contrato social.
Assim, tem de aceitar-se a necessidade da revolução regionalista, pelo entendimento da mesma como uma revolução simbólica contra uma dominação simbólica, porque qualquer unificação que assimile aquilo que é diferente, encerra o princípio da dominação de uma identidade sobre outra, da negação de uma identidade por outra, para utilizarmos as palavras de Pierre Bourdieu.
Uma revolução que, no espaço europeu, implica uma descolonização da Europa, porque, como salienta Alain Bénoist, se a riqueza da humanidade é a personalização dos indivíduos no interior da sua comunidade, eis que a riqueza da Europa é a personalização das regiões no interior da cultura e da civilização donde aqueles emanaram.
Só através do regionalismo, a Europa poderá deixar de ser um arquipélago submerso. Um oceano de culturas apagadas, para utilizarmos a expressões de Jean-Edern Hallier.
A região pode ressuscitar a Europa, a Europa das cem bandeiras, a Europa que precisa de distinguir para unir, que precisa de dividir as divisões estaduais existentes para melhor poder unificar-se através da espontaneidade do verdadeiro político.
Aliás, as regiões autónomas dos Açores e da madeira se constituem uma realidade constitucional, não se instituíram, durante o PREC, através de qualquer concessão constitucional.
A autonomia política dos Açores e da Madeira não surgiu das leis para a vida, mas, bem pelo contrário. As autonomias políticas em causa, antres do o serem já o eram, isto é, antes de serem consagradas pela constituição já estavam implantadas na realidade pelos movimentos políticos e sociais que no terreno exprimiram as históricas aspirações autonomistas das populações insulares.
(…) Diremos que está em crise o Estado soberano, aquele modelo de Estado Nação que tem conformado mimeticamente os Estados a que chegámos na Europa. Está em crise o Estado Soberano, porque é, ao mesmo tempo, pequeno demais e grande demais.
Não está em crise aquele modelo de estado que nasce da comunidade para o aparelho de poder. Não está em crise a nação politicamente organizada, o aparelho de poder que brota da libertação da comunidade.
Está em crise o modelo de centralização soberanista que foi do absolutismo, despótico ou democrático, o qual continua a querer homogeneizar a diversidade das várias comunidades naturais.
Está em crise o modelo de estado que, transformando os indivíduos do direito natural em cidadãos do direito positivado, tratou de estatizar todos os direitos originários e naturais e decretou que não poderia existir qualquer espécie de intermediação de corpos políticos entre o mesmo indivíduo e o centro do aparelho de poder estadual.
Esse modelo expropriou as comunas, as regiões, os grupos profissionais e outros poderes ditos periféricos, que decretou a impossibilidade de uma pluralidade de centros de poder soberanos submetidos a um mesmo ente coordenador.
Está em crise aquele modelo absolutista que procurou territorializar um determinado espírito, que transformou a polis em propriedade, isto é, aquilo que é ser, em simples coisa que se pode ter.
Foi esse modelo, maioritariamente dito como Estado nação que procurou impor sobre todo o espaço do seu território a mesma língua, os mesmos costumes, um exército permanente baseado na conscrição, um sistema de ensino público único e que tratou de impor a todas as colectividades territoriais menores o mesmo modelo de pronto-a-vestir administrativo, atomicizando o espaço e homogeneizando as divisões segundo um modelo único.
Não está em crise a nação libertadora ou resistente, sobretudo aquela que continua a ser marcada pelo small is beautifull, que, conforme Jacob Burckhardt, existe para que haja no mundo um cantinho de terra onde o maior número de habitantes possam gozar a qualidade de cidadãos no verdadeiro sentido da palavra…o pequeno Estado não possui nada a não ser a verdadeira e real liberdade pela qual compensa plenamente no plano ideal as enormes vantagens e até o poder dos grandes Estados (…)”

José Adelino Maltez “A autonomia das regiões como forma de reforço das liberdades nacionais”, in Autonomia no plano político, 1.º centenário da Autonomia dos Açores, Vol. 5, pags. 109 ss.

NOTA: Como já escrevemos em outra paragens o impulso reformador necessário perante este momento histórico de revisão do Estatuto Político-Administrativo, não pode ser fundado na ligeireza do volátil interesse político-partidário ou em protagonismos individuais que ameaçam tolher e condicionar à partida um processo que se quer cristalino e ancorado no interesse público. Um passo nesse sentido pode passar por destacar alguns dos princípios político-filosóficos imanentes à causa autonómica que nos permitirão, enquanto estradas de reconhecimento e de prospecção para novas realidades e/ou soluções, analisar, criticar, fundamentar e, principalmente, propor!

domingo, junho 12, 2005

JUNHO DE 1985

A 12 de Junho de 1985 podia ler-se na declaração comum relativa ao desenvolvimento económico e social das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira que integrava o Tratado de Adesão de Portugal às Comunidades Europeias:

«As Altas Partes Contratantes lembram que entre os objectivos fundamentais da Comunidade Económica Europeia se inclui a melhoria constante das condições de vida e de trabalho dos povos dos Estados membros, bem como o desenvolvimento harmonioso das suas economias, pela redução das desigualdades entre as diversas regiões e do atraso das menos favorecidas.
Tomam nota de que o Governo da República Portuguesa e as autoridades das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira se encontram empenhados numa política de desenvolvimento económico e social que tem por fim ultrapassar as desvantagens destas Regiões, decorrentes da sua situação geográfica afastada do continente europeu, da sua orografia particular, das graves insuficiências de infra-estruturas e do seu atraso económico.
Reconhecem que é do seu interesse comum que os objectivos desta política sejam atingidos e lembram que as disposições específicas relativas às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira foram adoptadas nos instrumentos de adesão.
As Altas Partes Contratantes acordam em recomendar, para o efeito, às instituições da Comunidade que dediquem especial atenção à realização dos objectivos acima referidos.»

20 anos passados, deve dizer-se que em 1985 quando Portugal conjuntamente com a Espanha assinam o Tratado de Adesão, a posição das Regiões Autónomas, em particular dos Açores, foi a da integração plena no universo europeu mediante uma declaração de reconhecimento das suas especificidades no tratado de Adesão. Na verdade, se as Canárias mantiveram um regime jurídico singular reconhecido pelo Protocolo 2, cujo desenvolvimento comunitário não foi do agrado do Parlamento canarino que logo em 1987 propôs a sua alteração, outra foi a posição das Regiões Autónomas portuguesas o que determinou que um estatuto especial para estas só pudesse ser conseguido com Maastricht.
Curioso é notar, e anotar, alguns dos trabalhos preparatórios da então Assembleia Regional. Primeiro através da Resolução da Assembleia Regional n.º 4/85/A, de 26 de Abril, onde se lê:

«A Assembleia Regional, no âmbito de uma interpelação ao Governo Regional, apreciou e debateu questões suscitadas pela integração de Portugal na CEE com particular incidência na Região Autónoma dos Açores.
A Assembleia Regional reconhece a importância de uma Europa unida como projecto destinado à promoção do progresso económico e cultural, à valorização política e ao aprofundamento da solidariedade entre todos os povos da Europa;
A Assembleia Regional reconhece a validade da integração económica europeia como via para o desenvolvimento e melhoria do nível de vida na Região Autónoma dos Açores;
A Assembleia Regional reconhece constituir a integração na Comunidade Económica Europeia uma oportunidade favorável para o incremento das produções regionais, que passarão a ter acesso a um mercado exterior alargado e de alto poder de compra;
A Assembleia Regional regista a existência de fundadas expectativas no sentido de a Região vir a beneficiar de apoios financeiros específicos para programas de investimentos, que proporcionarão um ritmo mais acentuado de desenvolvimento;
A Assembleia Regional reconhece, finalmente, que a integração na CEE de Portugal com os Açores reforçará a dimensão atlântica da Europa;
Porém, a Assembleia Regional sustenta que o projecto da integração de Portugal na CEE não poderá ser conseguido à custa do sacrifício de interesses regionais fundamentais, exortando os órgãos de soberania a assumirem a defesa destes mesmos interesses como uma questão de relevância nacional;
Assim, a Assembleia Regional resolve, nos termos da alínea q) do artigo 229.º da Constituição e do n.º 1 da alínea m) do artigo 26.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores:
1 - Concordar com a firme orientação seguida pelo Governo Regional no processo negocial de adesão de Portugal à CEE.
2 - Manifestar a sua confiança ao Governo Regional com vista a que prossiga com firmeza a salvaguarda dos interesses regionais nas matérias em negociação, designadamente nos sectores da agricultura e das pescas, especialmente a garantia de definição de zonas de acesso reservadas aos nossos pescadores.
3 - Reclamar que disposições especiais relativas à Região Autónoma dos Açores sejam especificamente mencionadas no tratado de adesão:
- Que a Região seja definida como círculo eleitoral para o Parlamento Europeu;

- Que do número de funcionários que a Portugal couber nos organismos comunitários seja reservada quota adequada para os Açores.
4 - Reservar para a fase de apreciação do tratado de adesão na sua redacção final a sua pronúncia sobre a integração dos Açores na CEE.
Aprovada pela Assembleia Regional dos Açores em 29 de Março de 1985.
O Presidente da Assembleia Regional dos Açores, José Guilherme Reis Leite.»


Depois, através do respectivo relatório e parecer a apresentar à Assembleia da República para a qual Comissão Permanente para os Assuntos Internacionais (presidida pelo Deputado Reis Leite, e integrando os Deputados Fernando Faria, Hélio Pombo, Dionísio Sousa, Alvarino Pinheiro e Flor de Lima) ouviu uma exposição do Subsecretário Regional da Integração Europeia e Cooperação Externa, Dr. Carlos Freitas da Silva, e deliberou, em 28 de Junho de 1985, por unanimidade, sublinhar os aspectos que directamente respeitam aos Açores, dos quais destacamos os seguintes pela sua apreciação política:

“(...) Entende que a Região Autónoma dos Açores, no que concerne ao estipulado na Segunda Parte, Título I – Disposições institucionais – deverá ter direito à eleição de um representante seu ao Parlamento Europeu, de acordo com o artigo 10.º do Tratado, que fixa em 24, o número de representantes a eleger por Portugal.
Entende, ainda, que, do número de funcionários que cabe a Portugal nos organismos comunitários, seja reservada quota adequada para os Açores.
Tal disposição deriva do facto, reiteradamente exposto pelos órgãos de governo próprio da Região, de se reconhecer a importância de adesão de Portugal às Comunidades Europeias a qual, porém, numa perspectiva autonómica, só terá conteúdo se aos Açores forem concedidas as formas de participação que acima se reivindicam.
Só assim o projecto de integração de Portugal na CEE será conseguido sem custos para os interesses regionais, a que se alia a defesa intransigente dos nossos recursos básicos e fundamentais, como são os produtos agrícolas e seus derivados, bem como as pescas e a protecção dos nossos recursos marinhos.
Acresce, por outro lado, que a Região Autónoma dos Açores terá de ser considerada como zona desfavorecida, derivada dos elevados custos da sua insularidade, a fim de ter acesso, prioritariamente, aos auxílios financeiros dos fundos comunitários, nomeadamente em matéria sócio-estrutural da política agrícola comum, no que concerne à modernização das estruturas produtivas e à melhoria da qualidade e da competitividade dos nossos produtos.

Nesta perspectiva, a Comissão constata com agrado, que o Tratado de Adesão contem na Acta Final uma importante Declaração comum relativa ao desenvolvimento económico e social das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
(...) Conjugando o teor desta Declaração acima transcrita com a Declaração respeitante à adaptação e modernização da economia portuguesa, estão abertas as perspectivas para que a economia regional venha a beneficiar, imediatamente após adesão, dos imprescindíveis programas específicos que as Comunidades Europeias põem à disposição da República Portuguesa, nos domínios agrícola e industrial.
É nesta óptica que se aguarda, com justa expectativa, que a Região Autónoma dos Açores beneficie dos apoios técnicos e financeiros que a CEE se dispõe a prestar.
(...) Neste enquadramento, considera-se vital que, no período que decorre da assinatura e da ratificação até à plena adesão – 1 de Janeiro de 1986 – as entidades nacionais e regionais, aos mais diversos níveis, preparem, convenientemente e atempadamente, as acções e as adaptações requeridas que a integração implica e que as economias portuguesa e regional exigem.
Para este efeito, é da máxima urgência ultimar a preparação de todos os projectos susceptíveis de virem a beneficiar dos apoios comunitários, por forma a que os mesmos, logo após a adesão efectiva, venham a beneficiar dos apoios técnicos e financeiros indispensáveis ao crescimento e à modernização da economia açoriana.
Por outro lado, impõe-se, desde já, introduzir na economia regional as alterações estruturais e organizacionais aconselháveis, nomeadamente nos sectores produtivos, de modo que a necessária adaptação aos sistemas vigentes na CEE se faça de forma gradual e progressiva, evitando-se, assim, os inconvenientes de um choque violento, com o seu cotejo de roturas e estrangulamentos, que ninguém deseja.
(...)A Comissão, na sequência da breve e limitada apreciação aos instrumentos de adesão, é de parecer de que efectivamente os principais objectivos prosseguidos pela Região acabaram por ser satisfatoriamente atingidos nas diversas peças que constituem o Tratado de Adesão.
De entre esses objectivos salientamos os que se nos afiguram mais relevantes como sejam:
-garantia do escoamento dos produtos regionais para os seus mercados tradicionais, designadamente os produtos agro-alimentares;
-não elevação dos custos da insularidade através da redução das taxas do IVA e da equiparação dos transportes marítimos e aéreos inter-ilhas e destas com o continente ao transporte internacional;
-acesso à data da adesão, pelos mecanismos adequados, aos Fundos Comunitários tendo em vista o desenvolvimento económico e social da Região;
-Salvaguarda dos interesses dos pescadores açorianos tendo sido simultaneamente acautelada e quase total limitação do acesso das frotas dos Países membros às águas e recursos da Zona Económica Exclusiva dos Açores.
Por outro lado, a Comissão constatou que a partir de agora a República Portuguesa terá de assumir plenamente os compromissos decorrentes do Tratado que implicam, por força da Constituição e do Estatuto, a defesa intransigente dos interesses açorianos como verdadeiros interesses nacionais.
Finalmente, a comissão por unanimidade, recomenda que a Assembleia Regional dos Açores se pronuncie favoravelmente pela ratificação, por parte da Assembleia da República, do Tratado de Adesão de Portugal às Comunidades Europeias.»


É assim que se deve integrar o último acto formal de adesão da Região na figura da Resolução da Assembleia Regional n.º 19/85/A, de 10 de Agosto, onde se pode ler:

«A Assembleia Regional dos Açores, no âmbito do processo de pronúncia, nos termos do artigo 231.º, n.º 2, da Constituição, sobre o texto do Tratado de Adesão de Portugal às Comunidades Europeias, apreciou e debateu aquele instrumento, dando particular atenção à incidência na Região das questões suscitadas pela integração de Portugal com os Açores na CEE.
Reconhecida a importância de uma Europa unida, em que a solidariedade entre todos os povos da Europa consubstancia a promoção do progresso económico e cultural e a valorização política;
Reconhecida a integração europeia como via importante para o desenvolvimento e melhoria de vida;
Reconhecida a integração como oportunidade para favorecer o acesso a mercados exteriores, de elevado poder de compra, dos produtos regionais;
Reconhecido que no Tratado se encontram salvaguardados os princípios decorrentes da nossa situação geográfica, afastada do continente europeu, bem como as insuficiências de infra-estruturas e do nosso atraso económico;
Reconhecido que as normas fixadas no Tratado só serão aplicadas por etapas e que as sucessivas adaptações serão graduais e progressivas no decurso do período de transição;
Reconhecida a existência no Tratado de normas consonantes com a especificidade regional no contexto nacional, nomeadamente o não agravamento dos custos de insularidade, por via da fiscalidade comunitária, através da redução das taxas do IVA, bem como a equiparação dos transportes inter-ilhas e entre estas e o continente;
Reconhecida também que a integração na CEE de Portugal com os Açores reforça a dimensão atlântica da Europa:
A Assembleia Regional dos Açores, ao abrigo do artigo 229.º, alínea q), da Constituição e do artigo 26.º, n.º 1, alínea m), do Estatuto de Autonomia, resolve:
1 - Pronunciar-se favoravelmente à aprovação para ratificação, por parte da Assembleia da República, do Tratado Relativo à Adesão da República Portuguesa à Comunidade Económica Europeia e à Comunidade Europeia de Energia Atómica, bem como do Acordo Relativo à Adesão de Portugal à Comunidade Europeia do Carvão e do Aço.
2 - Congratular-se pela adesão de Portugal às Comunidades Europeias, na certeza de que a mesma será factor decisivo para o acesso a uma nova era de desenvolvimento económico, social e cultural.
Aprovada pela Assembleia Regional dos Açores, na Horta, em 9 de Julho de 1985.
O Presidente da Assembleia Regional dos Açores, José Guilherme Reis Leite

quinta-feira, junho 09, 2005

CONTRIBUTOS #1

* Respigado ao João Pacheco de Melo

#1 Contributo do Dr. Dionísio de Sousa

Cá estou para o primeiro contributo.

Começo por repetir o que já disse num comentário no Chá Verde. Trata-se de uma excelente iniciativa, a que não regateio a minha adesão e o meu aplauso. Até porque não vejo que, actualmente, nenhum outro instrumento, mais tradicional, de comunicação e de debate se abalance a fazê-lo, neste ambiente de revisão estatutária em curso.
O que se passou com a revisão do sistema eleitoral, pese embora alguns esforços para retirar o tema do seu âmbito tradicional, é suficientemente elucidativo a esse respeito.
Os pré-juizos partidários e, mais lamentável ainda, os pré-juizos de algum jornalismo regional, injustificável e inexplicávelmente vesgo, resistiram a todos os esforços de debate sadio e fundamentado.
Se bem pensarmos, talvez até nem seja caso para considerarmos esta iniciativa fora das boas tradições açorianas.
Aquilo a que podemos chamar a "Bíblia" do repositório de informação e documentação sobre a autonomia pós-Abril foi da iniciativa de uma entidade privada. O Instituto Açoriano de Cultura. Refiro-me à obra "Para uma Autonomia dos Açores", editada em 1979.
Esperemos que este "odre" dos blogues se revele melhor recipiente para o vinho novo desta iniciativa.
Passo já ao tema. Não me vou pronunciar sobre os 50 grandes momentos da autonomia. Nem sobre o número escolhido ( porquê 50?) nem sobre nenhum deles em concreto. Até porque não tive oportunidade de análise pormenorizada. Mas pareceu-me detectar algumas divergências de datas com outros documentos relativos, sobretudo, ao ano de 1975. Mas trata-se de questão a esclarecer posteriormente.
Para não prolongar, excessivamente, esta minha primeira tentativa de aproximação ao tema da Autonomia, resumo, à partida ,a perspectiva que queria trazer hoje a este espaço.
É esta. Consigo perceber perfeitamente a Autonomia Regional, o seu percurso histórico e a sua evolução, sem a menor referência ao 6 de Junho de 75. Não consigo, de maneira nenhuma, perceber a sua génese e as suas características, passadas e actuais, sem a ligação ao 2 de Março de 1895. Sobretudo quando é proposto, à cabeça, também "celebrar os 110 anos de Autonomia Administrativa".
Calculo que a primeira data que o blogue escolhe para assinalar a Autonomia tenha mais relação com o dia do lançamento do Blogue do que com a Autonomia.
Sei que esta não será a opinião de muito boa gente. Provavelmente, a começar pelo próprio autor do Blogue. Mas também sei que não estou sózinho nesta convicção.
Fico-me por aqui. Prometo voltar, com a brevidade possível.


NOTA: Agradeço ao Dr. Dionísio a sua disponibilidade e a oportunidade de assim poder clarificar alguns pontos que não são de somenos para esta nossa caminhada, a saber:
a) Coloquei o acento na autonomia constitucional (30 anos - 50 momento) por que me parece ser esta que está historicamente mais frágil pois corre o risco de ter apenas por guião a comunicação social, no entanto o limite é o dos contributos e tanto falaremos de 1800 como de 2000, assim, 50 é apenas um número porque 30 me pareceram poucos e 100 muitos.
b) As minhas fontes foram quer a tese do José Manuel Oliveira Mendes quer o livro por si refenciado "Para uma Autonomia dos Açores", claro que não garanto fiabilidade mas é também para esses esclarecimentos que cá estamos.
c) Quanto ao 6 de Junho, estarei a meio caminho nas suas interpretações, não o comparo ao 2 de Março, mas não lhe regateio importância no despertar de consciências valorando-o como catalizador da sequência de marcos históricos que se lhe seguiram em 75, daí que a data para lançamento do blogue foi um conjugar das necessidades, a de celebração, a de debate, com a disponibilidade pessoal para o fazer. Ainda assim muitas outras datas haverá para celebrar cá estaremos de peito aberto e cabeça elevada.
Bem Haja!

segunda-feira, junho 06, 2005

6 DE JUNHO DE 1975

"Uma manifestação da lavoura tinha sido convocada para 6 de Junho de 1975 em Ponta Delgada. O Comando-Chefe dos Açores, general Altino de Magalhães e o Governador do Distrito, Borges Coutinho, em comunicado conjunto, proibiam a manifestação e sugeriam que a mesma se realizasse a 13 de Junho. Como argumento, avançavam o facto de uma esquadra da NATO estar fundeada no porto de Ponta Delgada, e de as eventuais perturbações poderem dar uma imagem distorcida do nosso país. (...) Na edição de 7 de Junho, o Açores ocupava toda a primeira página com os acontecimentos ligados à manifestação da véspera. O tom era de euforia. O título principal era: «6 de Junho de 1975. Grandiosa Manifestação. Marco Histórico na Vida dos Açores. O dr. Borges Coutinho pediu a demissão do cargo de Governador Civil do Distrito» (...) para o articulista, o povo de toda a ilha (S.Miguel) tinha-se manifestado contra as proibições e a favor da independência dos Açores. Citando: «(...) Os gritos de independência cedo ultrapassaram as outras reivindicações. Os gravíssimos problemas da lavoura, a exigência de demissão do chefe do distrito, tudo depressa passou a segundo plano para, a uma só voz, se gritar independência». (...) Na página 6, publicava-se um texto não assinado com o título: «A manifestação da vontade e do sentir do povo açoriano». A estratégia era, partindo de um acontecimento numa cidade de uma ilha, invocar e falar em nome de todo o arquipélago de uma unidade identitária e na partilha de sentimentos e emoções. Mas, mais importante ainda, era atribuir um símbolo a essa unidade e as gritos de protesto. O mesmo consubstanciava-se na chamada bandeira dos Açores, azul e branca com um açor de asas fechadas sobre nove estrelas que simbolizavam cada uma das ilhas. Citando:
«(...) Frente ao Governo Civil, onde se concentrava a multidão, surgiu a Bandeira dos Açores. Comoção e lágrimas em muitos rostos. Um velho, de mãos calosas, rosto queimado pelo sol e povoado de rugas, olhos marejados de lágrimas, ergueu os braços e gritou bem alto:"Agora, sim, sinto-me açoriano e livre". Estas palavras reflectem bem o sentir de todo um Povo, ressentido e ludibriado por uma minoria activa que era detentora do poder, que não lhe tinha sido outorgado por ele próprio, POVO»[maiúsculas no original].
A bandeira era apresentada como sendo a dos Açores, legitimando e naturalizando o seu uso como expressão simbólica de todo o arquipélago, do seu protesto e do desejo de reconhecimento e dignidade."

José Manuel Oliveira Mendes, Do Ressentimento ao Reconhecimento - Vozes, identidades e processos políticos nos Açores (1974-1996). Ed. Afrontamento, 2003.

30 ANOS - 50 MOMENTOS

Os 50 momentos políticos relevantes na Autonomia Açoriana após o 25 de Abril :

1974
1) Junho – Apresentação do Manifesto Separatista do Mapa.
2) Novembro – Apresentação das Bases do Estatuto Político-Administrativo da autoria do núcleo do PPD/A de Ponta Delgada.

1975
3) Janeiro – Apresentação das Bases do Estatuto pelo Movimento para a Autonomia do Povo Açoriano.
4) Janeiro – Apresentação das Bases de um novo Estatuto da Região dos Açores – projecto do «Grupo dos Onze».
5) Junho – No dia 6 há uma manifestação em Ponta Delgada que origina a demissão do Governador Civil do Distrito, Dr. Borges Coutinho, grita-se «Independência!».
6) Agosto – Publicação no dia 22 do Decreto-Lei n.º 458-B/75, que cria a Junta Regional dos Açores.
7) Setembro – PPD/A e PS apresentam os projectos do Título VII da Constituição respeitante às Regiões Autónomas.
8) Outubro – Apresentação dos princípios programáticos da FLA.

1976
9) Janeiro - Apresentação do Anteprojecto de Estatuto Político-Administrativo da autoria da Junta Regional.
10) Abril – Entrada em vigor da Constituição da República Portuguesa integrando um Capítulo relativo às autonomias regionais.
11) Abril – Publicação no dia 30 do Decreto-Lei n.º 318-B/76, que consagra o Estatuto Político-Administrativo provisório da Região.
12) Junho – Realizam-se as primeira eleições para a Assembleia Regional ganhas pelo PSD/A -27 Deputados, PS – 15 e CDS - 2.
13) Setembro – Instalação da Assembleia Regional e investidura do I Governo Regional sob a Presidência de Mota Amaral.

1980
14) Agosto – Publicação no dia 25 da Lei n.º 38/80, que estabelece o Estatuto Político-Administrativo definitivo da Região.

1986
15) Setembro – Veto de Mário Soares à proposta de revisão do Estatuto aprovada na Assembleia da República, na sequência da guerra das bandeiras com as chefias militares. No dia seguinte o Presidente da República presidiu à Sessão Comemorativa dos 10 anos da Autonomia Constitucional na Assembleia Regional à qual Deputados e dirigentes do PSD/A comparecem de gravata preta e óculos escuros.

1988
16) Novembro – O Presidente do Governo Regional Mota Amaral faz o discurso da «autonomia tranquila».

1995
17) Novembro- Mota Amaral abandona as suas funções de Presidente do Governo Regional, sucede-lhe Madruga da Costa.

1996
18) Outubro – Vitória do PS/Açores nas eleições, elegendo 24 Deputados, PSD/A – 24, CDS – 3 e CDU – 1, dando origem ao primeiro Governo Regional presidido por Carlos César

1998
19) Outubro - Crise institucional com a tentativa de derrube parlamentar do governo socialista através da Coligação do PPD/PSD liderado por Costa Neves com o CDS/PP de Alvarino Pinheiro

2000
20) Outubro – maioria absoluta do PS/Açores nas eleições regionais elegendo 30 Deputados, PSD/A – 18, CDS – 2 e PCP - 2

AO QUE VIMOS

Este espaço, que se quer colectivo, pretende celebrar os 110 anos de Autonomia Administrativa, e projectar os 30 anos de Autonomia Constitucional, procurando, com o passado, cimentar um esforço de análise no presente, e de prospecção do futuro da Autonomia Açoriana.
Destaco nesta caminhada uma proposta de elaboração dos 50 momentos políticos mais relevantes da Autonomia Constitucional (um projecto parcial, mas de interesse para aqueles que, como eu, roçam a idade da Constituição, e para o qual procurei dar um impulso inicial com algumas notas públicas referenciadas no tempo).
Sublinhando que este é um espaço colectivo que assume a sua evolução por um processo partilhado, faço um apelo aos contributos de todos os interessados que prontamente serão aqui disponibilizados identificando o autor.